Lavoura Arcaica – Safra de profusas
vivências
Por
Neuceli Silva
“Eu pensava muitas vezes que eu não
devia pensar, que nessa história de pensar eu tinha já o meu contento, me
estrebuchando na santa bruxaria do infinito[...]”
(Raduan Nassar)
Assim
pensa o personagem André da obra Lavoura Arcaica, do autor Raduan Nassar,
nascido no interior de São Paulo, numa cidade de nome Pindorama. Ele escreveu o
romance no ano de 1975, em plena ditadura militar. Com narrador em primeira pessoa
dividindo sua função com um eu-lírico, uma vez que a narrativa apresenta uma
entoação e um teor poético, a escrita pode causar surpresa ao leitor mais
desavisado.
A
maestria no estilo da produção literária do autor rendeu-lhe o Prêmio Camões de
Literatura – o prêmio mais importante da língua portuguesa e que contempla os
países falantes dessa língua ─ no ano de 2016.
Lavoura
Arcaica chama a atenção pelo assunto, considerado tabu por muitas pessoas – o
incesto. O amor mais que fraternal entre irmãos de uma família tradicional
marcada pela rigidez das convenções patriarcais. Os personagens presentes na
obra são, na grande maioria, pertencentes ao mesmo núcleo familiar em que a
figura do pai impõe o respeito e o ordenamento de tudo quanto deve ser seguido
pelos seus constituintes. O que à primeira vista pode remeter o leitor à
história do filho pródigo, ao final do romance, constata que o sentido é o oposto,
que a alegria da volta desencadeia ações calamitosas.
Trata-se
de um livro que encanta e assusta ao mesmo tempo, a começar pela linguagem
figurada em que o leitor deve estar alerta às suas significações. Esse mesmo
leitor, logo de início, depara-se com uma pontuação pouco convencional que
marca extensos fluxos de consciência do personagem André. numa narrativa
poética, que inebria, fazendo com que o a história se torne um mistério a ser
desvendado a cada capítulo.
Outra
característica da obra são os flashbacks.
É dessa forma, que vamos compreendendo a narrativa não linear, recheada de
figuras de linguagens: metáforas, antíteses, paradoxos, personificações, e nos
remete ao poético em toda a trajetória da trama, como por exemplo no trecho “[...] e uma chaleira de ferro, soturna,
chocando, dia e noite sob a chapa[...]”. A harmoniosa figura nos remete a
um lugar no passado do interior, lembrando um fogão de lenha e o sossego da
vida sertaneja.
A
leitura de Lavoura Arcaica é um exercício e um desafio sedutor que num primeiro
momento, assusta ao leitor despreparado e, que aos poucos vai fisgando de uma
maneira a enganchar o anzol da vontade de descobrir os mistérios que envolvem a
história até que a última página seja alcançada.
A
obra não é para qualquer púbico. Entretanto é uma aventura deliciosa para
aquele leitor especial, autônomo, capaz de mergulhar na história e caminhar com
o personagem André na sua jornada angustiante até o seu desfecho. O que fará
com que o expectador, com certeza, passe algumas noites em claro, refletindo
sobre a vida daquela família cristã que foi costurando e remendando o seu
destino trágico no cotidiano do silêncio e da concessão.
Ficha técnica
Obra: Lavoura
Arcaica
Data da primeira publicação: 1975
Autor: Raduan Nassar
Edição: 3ª edição - 1989
Editora: José Olympio
Gênero: Romance
Número de páginas:196