O biólogo e escritor moçambicano Mia Couto – autor de livros como "Terra sonâmbula" e "O último voo do flamingo" – é o ganhador do Prêmio Camões 2013, um dos principais da literatura em língua portuguesa. Ele vai receber 100 mil euros. O anúncio foi feito nesta segunda-feira (27) pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN), instituição ligada ao Ministério da Cultura. De acordo com a assessoria de imprensa da FBN, a escolha do júri foi por unanimidade.
A nota lembra que o romance "Terra sonâmbula" foi considerado "um dos dez melhores livros africanos no século XX" e que o autor é "comparado a Gabriel Garcia Márquez, Guimarães Rosa e Jorge Amado".
Filho de portugueses, António Emílio Leite Couto nasceu em 1955, em Beira, Moçambique. Em entrevista ao G1 pouco antes de sua partidição na edição 2012 da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), explicou que tinha 2 anos de idade quando pediu aos pais para ser chamado de Mia – "parecia com o miado dos meus gatos".
Já adulto, chegou a cursar medicina, tendo abandonado a graduação para militar pela libertação do país no início dos anos 1970. No período seguinte, Couto atuou como jornalista. Autor de volumes de poesia, romances, contos e romances, ele é o segundo moçambicano a levar o Camões. Em 1991, seu conterrâneo José Craveirinha faturou a honraria.
A distinção criada pelos governos do Brasil e Portugal é entregue desde 1989. Desde então, os autores nacionais contemplados foram Dalton Trevisan (2012), Ferreira Gullar (2010), Lygia Fagundes Telles (2005), Rubem Fonseca (2003), Autran Dourado (2000), António Cândido de Mello e Sousa (1998), Jorge Amado (1995), Rachel de Queiroz (1993) e João Cabral de Melo Neto (1990).
Júri
De acordo com a FBN, a escolha do ganhador do Prêmio Camões 2013 foi feita no Palácio Capanema, no Rio. O júri era formado por por Clara Crabbé Rocha e José Carlos Vasconcelos (de Portugal); Antônio Alcir Pécora e Alberto da Costa e Silva (do Brasil); João Paulo Borges Coelho (de Moçambique); e José Eduardo Agualusa (de Angola).A nota reproduz uma observação do embaixador Alberto da Costa e Silva: "[Mia Couto] É um autor de grande aceitação crítica no Brasil, em Portugal e nos países africanos. Sua literatura é cheia de imaginação e de estima pelas diferenças culturais".
Já o autor angolano José Eduardo Agualusa teria afirmado que os livros do colega têm "grande criatividade lingüística inspirada no falar das populações mais pobres de Moçambique e ultrapassou fronteiras, inclusive influenciando escritores mais jovens, traduzido para quase 30 línguas".
“Um mal terrível”: Edgar Allan Poe Escreve Sobre a Doença e a Morte de sua Esposa.
Até onde sei, Poe não foi poligâmico. Ao contrário. Casou-se mais de uma vez, mas amou, ao que nos parece, com muita intensidade as suas companheiras. E quão interessante é fomentar a ideia de que Poe era, de fato, um escritor de tragédias – não no sentido “greco-latino” da palavra, mas no sentido mais contemporâneo. Poe parece um autor a respirar de suas próprias agruras espirituais e sentimentais, e somos levados a pensar que ele jamais teria escrito um parágrafo sequer sem ter sofrido o que sofreu. Nem todos os escritores são assim, movidos a lágrimas, mas alguns dos melhores têm as histórias mais conturbadas da Literatura – nem comento Horacio Quiroga.
A beleza literária de sua carta é comparável com a de seus trabalhos ficcionais, o que me convence de que Poe via, na própria vida, a mais realística das ficções. Para um escritor como Poe, até onde a realidade vai? Onde ela para a fim de dar espaço à ficção? Há uma fronteira bem definida?
Abaixo, portanto, traduzi não só a carta de Edgar, mas como a matéria de Rebecca Onion, que fala com bastante propriedade acerca de todo a questão. Confira:
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Em uma passagem confinada profundamente nessa longa carta cheia de fofocas e conversa fiada, Edgar Allan Poe reconta a verdadeira história da morte de sua esposa Virginia, em 1847, quando a moça foi vitimada pela tuberculose, e descreve sua própria reação desesperada.

Virginia
A ex-curadora do Harry Ransom Center, Molly Schwartzburg, que escreveu sobre essa carta de 1848 para o blog do arquivo, diz que o correspondente de Poe, George Washington Eveleth, era um fã que escreveu pela primeira vez a Poe em 1845. Ao longo dos anos, o autor trocou várias cartas com Eveleth, que perguntava sobre seus planos editoriais, suas escolhas literárias e suas rivalidades com outros escritores.
Em 1846, Poe escreveu uma carta para o jornal Spirit of the Times, da Filadélfia, respondendo às acusações de plágio – e de outros pecadilhos literários – de outro escritor. Em sua defesa, Poe menciona que ele vinha sofrendo dos efeitos do que chamou de um “mal terrível”. Na carta que relembrava essa resposta, Eveleth perguntou a Poe de que se tratava aquele mal.
A resposta de Poe a essa pergunta pessoal veio na segunda página dessa carta. (O escritor numerou suas respostas às perguntas de Eveleth, e a passagem sobre Virginia começa no item 10). Contando a história sobre a doença de Virginia, descoberta em 1842 – quando, de repente, ela começou a sangrar enquanto cantava ao piano –, Poe descreveu como foi afetado pelos altos e baixos no estado de saúde dela. “Constitucionalmente sensível – nervoso, a uma medida incomum”, ele escreveu, ele ficou “louco, com longos intervalos de uma horrível sanidade”.
Poe era famoso por seus excessos no álcool durante a década de 1840, e seus “inimigos” (como ele os chama) pensavam que seu comportamento irregular se devia à bebida. Aqui, ele escrete que o estresse e a dor da doença de sua mulher eram a causa tanto de seu alcoolismo quanto de sua “insanidade”. Ao final da passagem, Poe diz – em uma reviravolta surpreendente de ler – que a morte de sua mulher era a “cura permanente” para sua loucura.
Ao passo em que sua frase tenha sido utilizada para criar um efeito literário, em 1849, a vida de Poe realmente pareceu melhorar. Ele tinha um novo projeto editorial a caminho e estava noivo de outra mulher quando morreu sob circunstâncias misteriosas em um hospital de Baltimore.

Uma carta de Edgar Allan Poe para George Washington Eveleth, datada de 04 de janeiro de 1848. Cortesia de Harry Ransom Center.
Transcrição:
10 – Você diz – “Pode me dizer de que se tratava aquele mal terrível que causou as irregularidades tão profundamente lamentadas?” Sim, eu posso dizer. Esse “mal” foi o pior que poderia ter recaído sobre um homem. Seis anos atrás, minha esposa, que eu amei como nenhum homem jamais amou antes, viu seu sangue lhe sair enquanto cantava. Sua vida se tornou um desespero. Despedi-me dela e me submeti a todas as agonias de sua morte. Ela se recuperou parcialmente e eu voltei a alimentar esperanças. Ao final de um ano, aconteceu novamente – foi quase a mesma cena. Novamente, repetiu-se tudo depois de um ano. E de novo – de novo – e de novo e mais uma vez, a intervalos irregulares. A cada vez, eu sentia todas as suas agonias – e a cada ascensão de sua condição, eu a amava com mais devoção e me agarrava à sua vida com uma obstinação desesperada. Mas sou constitucionalmente sensível – nervoso, a uma medida incomum. Tornei-me louco, com loucos intervalos de uma horrível sanidade. Durante esses relances de absoluta inconsciência, eu bebia, Deus sabe quanto ou com qual frequência. De fato, meus inimigos culpavam a bebida pela minha insanidade, e não o contrário. Na verdade, quase abandonei todas as esperanças de uma cura permanente quando a encontrei na morte de minha esposa. Eu posso e aceito isso como uma verdade – era uma terrível e interminável oscilação entre esperança e desespero que eu jamais poderia suportar sem a total perda da razão. Na morte daquela que foi a minha vida, eu sou presenteado com mais uma objeção – oh Deus! Quão melancólica a existência!
Versão Original (sem o comentário, é claro):
Revisado por: Pedro Dalboni
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