terça-feira, 10 de novembro de 2020

Resenha Literária

 

OS VERSOS DE MANOEL

Por Neuceli Silva

 

“Só uso a palavra para compor meus silêncios.”

Assim foi escrito o último verso do poema O apanhador de desperdícios, do poeta mato-grossense, Manoel de Barros, em seu livro Memórias Inventadas/ As Infâncias de Manoel de Barros, publicado em 2008 pela editora Planeta. Se não bastassem os poemas encantadores, vem ainda, de brinde, as iluminuras de Martha Barros, filha do autor, ilustrando, de maneira majestática, cada texto presente na obra.

As infâncias vêm no plural – A Primeira Infância; A Segunda Infância; a Terceira Infância – assim distribuídos na obra com a intencionalidade de abranger as três fases da vida humana, a que ele mesmo alegara, terem sido todas as três, uma vida de infância bem vivida. Desse modo, viver, seria o termo mais coerente que se poderia utilizar para ilustrar cada um dos versos de cada um dos poemas transcritos neste livro. A vida pulsa em cada página e em todas as palavras ali presentes. Até o que poderia, no dito normal, ser considerado abjeto transforma-se em poesia: “[...]ao pé da roseira da minha avó, eu obrei.” e o ato de obrar se tornou poético. A personificação e a coisificação se misturam de maneira natural, de forma que uma formiga ajoelha numa pedra – “Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra” e o eu se transformo em coisa: “Quando o rio está começando um peixe, / Ele me coisa”.

Aos que tem a crença na poesia como uma escrita que deva ser  voltada ao esmero, estilo parnasiano de expressar, não conhece a linguagem desse poeta da região centro-oeste do Brasil que, com maestria nos apresenta os seres – animados e, até inanimados - numa simplicidade que acaricia a mente e a alma, envolta pela natureza e pelos seres a quem ninguém dá importância. Seres desimportantes, como o próprio poeta os nomeia.  Sua poesia narrativa é repleta de neologismos – não neologismos exibicionistas -, mas criando nomenclaturas especiais, compreensíveis a uma criança. A poesia de Manoel de Barros é quase uma conversa entre velhos amigos, um prosear natural de fim de tarde num recanto, ao pé do fogão, à sombra de uma frondosa árvore. Sempre situada num espaço que remete e se funde à natureza, seu habitat natural.  Nas suas palavras tudo pode ser matéria de poesia, basta prestar atenção e afiar os sentidos.

A leitura de Memórias Inventadas tem a capacidade de maravilhar a todas as faixas etárias e até ao leitor mais pomposo, ávido pelo requinte dos versos alexandrinos nos poemas de forma fixa, que se inebria ao primeiro contato com os versos deste mestre da verdadeira de poetar. Um artista que transcreve em versos as suas memórias, ressignificando-se de forma poética.

Este é um livro-companhia, aquele para ser lido e relido em diversos momentos da sua rotina, quase um bálsamo.

 

Ficha técnica:

Obra: Memórias Inventadas / as Infâncias de Manoel de Barros

Autor: Manoel de Barros

Gênero: Poesia narrativa

Editora: Planeta

Ano: 2008

Nº de páginas: 160





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