OS VERSOS DE MANOEL
Por Neuceli Silva
“Só uso a palavra para compor meus silêncios.”
Assim foi escrito o
último verso do poema O apanhador de
desperdícios, do poeta mato-grossense, Manoel de Barros, em seu livro Memórias Inventadas/ As Infâncias de Manoel
de Barros, publicado em 2008 pela editora Planeta. Se não bastassem os
poemas encantadores, vem ainda, de brinde, as iluminuras de Martha Barros,
filha do autor, ilustrando, de maneira majestática, cada texto presente na
obra.
As infâncias vêm no
plural – A Primeira Infância; A Segunda Infância; a Terceira Infância – assim
distribuídos na obra com a intencionalidade de abranger as três fases da vida
humana, a que ele mesmo alegara, terem sido todas as três, uma vida de infância
bem vivida. Desse modo, viver, seria o termo mais coerente que se poderia
utilizar para ilustrar cada um dos versos de cada um dos poemas transcritos neste
livro. A vida pulsa em cada página e em todas as palavras ali presentes. Até o
que poderia, no dito normal, ser considerado abjeto transforma-se em poesia: “[...]ao pé da roseira da minha avó, eu obrei.”
e o ato de obrar se tornou poético. A personificação e a coisificação se
misturam de maneira natural, de forma que uma formiga ajoelha numa pedra – “Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra”
e o eu se transformo em coisa: ““Quando
o rio está começando um peixe, / Ele me coisa”.
Aos que tem a crença na
poesia como uma escrita que deva ser
voltada ao esmero, estilo parnasiano de expressar, não conhece a
linguagem desse poeta da região centro-oeste do Brasil que, com maestria nos
apresenta os seres – animados e, até inanimados - numa simplicidade que
acaricia a mente e a alma, envolta pela natureza e pelos seres a quem ninguém
dá importância. Seres desimportantes,
como o próprio poeta os nomeia. Sua
poesia narrativa é repleta de neologismos – não neologismos exibicionistas -, mas
criando nomenclaturas especiais, compreensíveis a uma criança. A poesia de
Manoel de Barros é quase uma conversa entre velhos amigos, um prosear natural
de fim de tarde num recanto, ao pé do fogão, à sombra de uma frondosa árvore.
Sempre situada num espaço que remete e se funde à natureza, seu habitat
natural. Nas suas palavras tudo pode ser
matéria de poesia, basta prestar atenção e afiar os sentidos.
A leitura de Memórias Inventadas tem a capacidade de maravilhar
a todas as faixas etárias e até ao leitor mais pomposo, ávido pelo requinte dos
versos alexandrinos nos poemas de forma fixa, que se inebria ao primeiro
contato com os versos deste mestre da verdadeira de poetar. Um artista que transcreve
em versos as suas memórias, ressignificando-se de forma poética.
Este é um livro-companhia,
aquele para ser lido e relido em diversos momentos da sua rotina, quase um
bálsamo.
Ficha técnica:
Obra: Memórias Inventadas / as Infâncias de Manoel de
Barros
Autor:
Manoel de Barros
Gênero: Poesia
narrativa
Editora: Planeta
Ano:
2008
Nº de páginas: 160
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